quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Projeto de brasileira lança novo olhar sobre origem e destino de escravos


Uma jornalista brasileira radicada nos Estados Unidos se dedica, há mais de uma década, à missão de registrar e divulgar a história de vítimas da escravidão e o destino de seus descentes.
O objetivo de Ana Alakija, que é descendente de um clã de um antigo reino iorubá, o segundo maior grupo étnico nigeriano, é destacar aspectos pouco explorados pela ensino oficial de história.
Ana Alakija
Jornalista Ana Alakika, brasileira radicada nos EUA, que desenvolve projeto de registro de história de vítimas da escravidão
Jornalista Ana Alakija, brasileira radicada nos EUA, que desenvolve projeto de registro de história de vítimas da escravidão

"Peço licença aos meus antepassados africanos para quebrar a tradição de passar nossa história oralmente e apresentar suas memórias de forma mais concreta", disse à BBC Brasil.
Desde 1997, a jornalista vem reunindo informações e documentos coletados no Brasil e também na África - especificamente em Lagos, na Nigéria - para onde um grupo de africanos e descendentes voltou após a abolição da escravatura.
O esforço resultou na produção de um documentário, um livro e uma série de exposições com fotos, documentos e artesanatos que ilustram a trajetória do grupo interconectado pelo Atlântico.
ESCRAVIDÃO NO BRASIL
Estima-se que metade dos cerca de 13 milhões de africanos capturados para servirem de escravos nas Américas tenham sido enviados para o Brasil.
Ana se concentra na história que não é ensinada nas escolas, mostrando as conquistas e as contribuições intelectuais, comerciais e políticas dos africanos à sociedade, antes e depois da escravatura.
Um número expressivo de vítimas, por exemplo, fazia parte da elite política e religiosa iorubá, e esses indivíduos foram vendidos como escravos porque eram prisioneiros de guerra. Isso representa uma perspectiva histórica diferente da ideia de servidão passiva dos escravos que é geralmente contada nas salas de aula, segundo a pesquisadora.
Muitos dos escravos brasileiros alforriados reconquistaram o status social de seus antepassados, tornando-se médicos, advogados, comerciantes, políticos e donos de propriedades, tanto na África quanto no Brasil.
Um exemplo do fenômeno é o destino da própria família Alakija, que conectou os dois continentes mesmo após a abolição da escravatura, em 1888.
"Meus bisavós eram vizinhos na África, mas só se conheceram no Brasil. Meu bisavô reconquistou seu título de nobreza e dinheiro quando voltou à Nigéria, estabelecendo lá uma plantação de algodão com o que aprendeu no Brasil", disse Ana.
O avô da jornalista, Maxwell Alakija, visitou o Brasil na infância e se apaixonou pelo país. No início do século 20, o filho do próspero fazendeiro decidiu estudar advocacia em Salvador, que já contava com uma renomada faculdade de direito. Na Bahia, ele fez carreira como advogado e teve três filhos. O pai de Ana e seu irmão se dedicaram à medicina, e o irmão deles optou pela engenharia civil.
O objetivo da historiadora é que a preservação e divulgação do papel dos negros na África e nas Américas contribuam com a continuidade dos vínculos originalmente estabelecidos entre esses continentes. "Esse diálogo pode ajudar a criar um entendimento mútuo para os relacionamentos entre brancos e negros nas sociedades modernas e multiculturais", disse Ana.
O projeto da jornalista é intitulado Memorial Alakija e já está programado para ser promovido nos próximos meses em eventos no Brasil, Nigéria, Estados Unidos e alguns países europeus. "Quero ter um sentimento de missão cumprida", afirma Ana.

fonte: www.folha.uol.com.br - 18/10/2012